IM/ACP 2021: dicas práticas sobre intoxicações agudas

As intoxicações agudas foram temas de uma das palestras mais interessantes do segundo dia do Internal Medicine Meeting da American College of Physicians (IM/ACP 2021). Intitulada de “If you Don’t Think Tox, You’ll Miss Tox!”, a conferência foi realizada pela Dra. Diane Calello (New Jersey Medical School), chefe do Centro de Intoxicações de New Jersey, EUA.

Inicialmente, o valor dos Centros de Assistência Toxicológicas (CEATOX, como chamamos no Brasil) foi enfatizado. Os centros têm por função disponibilizar informações cruciais para o manejo terapêutico desses pacientes, além de terem como característica a possibilidade de discussão dos casos com médicos especialistas em toxicologia. Portanto, conforme ressaltado pela Dra. Calello, o uso dessa assistência deve ser incentivado ao recebermos casos de intoxicações, especialmente em casos que possam gerar dúvidas no diagnóstico e manejo.

 

Intoxicação por monóxido de carbono

A intoxicação por monóxido de carbono (CO), nos Estados Unidos, é responsável por mais de 20.000 atendimentos no departamento de emergência anualmente, sendo uma causa importante de mortalidade. A fisiopatologia relacionada à intoxicação decorre da formação da carboxi-hemoglobina (COHb), que se liga de forma irreversível ao componente ferro da hemoglobina, reduzindo a capacidade de transporte de O2 aos tecidos. Promove ainda vasoespasmo coronariano e cerebral, prejudica a síntese de ATP, produz dano oxidativo e anemia hemolítica profunda.

As principais fontes de monóxido de carbono são: combustão incompleta com ventilação inadequada em ambientes confinados, churrasqueiras indoors, bloqueio de chaminés, inalação da fumaça do cigarro, fogões (elétricos ou à lenha) para aquecimento do ambiente (especialmente em lugares com clima frio), exaustor de veículos, entre outros. Vale ressaltar que a meia-vida do CO em ar ambiente é de 2 a 3 horas.

Quanto ao quadro clínico, lembrar que o sintoma mais comum é a cefaleia e vários outros sintomas produzidos pela intoxicação podem mimetizar outros diagnósticos. Acompanhe agora os principais sintomas:

  • Intoxicação aguda por CO: cefaleia, náuseas e vômitos, vertigem, síncope, confusão mental, convulsões, isquemia miocárdica, arritmias e até mesmo parada respiratória;
  • Intoxicação crônica por CO: disfunção cognitiva, parkinsonismo, tremores, alterações de personalidade, psicose, demência, incontinência.

O padrão-ouro para o diagnóstico é a mensuração da co-oximetria. O valor normal fica entre 0 a 2% em indivíduos não fumantes. A suspeita clínica para esses casos deve aumentar quando o quadro clínico for de início súbito, presença de cefaleia e melhora dos sintomas quando o paciente está longe de casa, piorando quando retorna ou aos finais de semana. Além disso, adoecimento de grupos de pessoas em comum ou início de sintomas conforme estação do ano, principalmente em períodos de frio, podem ser indícios sugestivos de intoxicação pelo CO.

O tratamento desses casos envolve fornecimento de oxigênio a 100%, inicialmente por 60 a 90 minutos. Um dos pilares do tratamento de casos mais graves é a oxigenioterapia hiperbárica, com fornecimento de O2 a 100% com pressão de 3 ATM.

A terapia com oxigenioterapia hiperbárica é fortemente recomendada em pacientes intoxicados por CO que apresentem sintomas neurológicos (alteração do estado mental, déficit neurológico focal, convulsões), gestantes com níveis de COHb > 15% e história de perda de consciência.

Intoxicação por metformina

Nesse ponto da conferência, a Dra. Calello trouxe um mnemônico para apresentar as principais intoxicações associadas à acidose metabólica com ânion-gap aumentado (“MUDPILES and the CAT”):

  • Metanol, metformina*;
  • Uremia;
  • Diabetes (cetoacidose);
  • Phenformin (fenformina)*, propilenoglicol*;
  • Ibuprofeno*;
  • Lactato*;
  • Etilenoglicol;
  • Salicilatos.
  • Carbon monoxide* (monóxido de carbono);
  • Acetaminofeno;
  • Tolueno, deficiência de tiamina*.

* substâncias que produzem acidose metabólica com ânio-gap aumentado, porém com predomínio de hiperlactatemia.

Voltando à metformina…

A metformina é o antidiabético oral mais comumente prescrito. Seu mecanismo de ação consiste em inibir a gliconeogênese, aumentando a resposta à insulina. A acidose lática associada à metformina (MALA) é a complicação mais temida da intoxicação pelo fármaco e é diagnosticada a partir de níveis de lactato acima de 5 mmol/L e pH arterial < 7,35.

Fatores de risco conhecidos para essa condição são: insuficiência renal aguda, vômitos e diarreia, insuficiência hepática, AINEs, choque, isquemia, hipovolemia.

O tratamento se dá através de medidas de suporte, correção de condições associadas quando possível, infusão de bicarbonato de sódio em situações de pH < 7,0. A hemodiálise é um dos pilares do tratamento, ajudando a remover o lactato e a metformina, além da restauração do equilíbrio hidroeletrolítico. Sempre que houver dúvida se o paciente com piora progressiva deva ser dialisado ou não, dialise seu paciente.

O prognóstico dos casos de MALA é pior que da superdosagem. O desenvolvimento da MALA pode demorar até 12 horas para se desenvolver, com tempo para o pico do lactato sendo variável. Fique atento à natureza insidiosa da condição em pacientes com doença gastrointestinal, injúria renal aguda ou sepse.

Intoxicação por salicilatos

Por fim, chegamos ao ponto final da conferência. Os salicilatos (aspirina) são comumente utilizados como antipiréticos, analgésicos e anti-inflamatórios. As manifestações clínicas pioram conforme aumento do nível sérico do salicilato. De náuseas e vômitos a partir de 20 a 30 mg/dL, chegando a quadros de injúria renal aguda, hipertermia, convulsões e coma (próximo a níveis acima de 80 mg/dL). Característica marcante da intoxicação aguda é a combinação de alcalose respiratória com acidose metabólica.

A intoxicação aguda por salicitatos geralmente é representada por sintomas gastrointestinais, zumbido, acidose metabólica, alteração de estado mental e hipertermia. Já a intoxicação crônica produz sintomas a partir de níveis séricos menores de salicilato. Geralmente, ocorre com pacientes mais idosos, de forma não intencional. Tem alta incidência de distúrbios neurológicos, hipoglicemia ou até mesmo neuroglicopenia (isto é, sintomas de hipoglicemia apesar de glicemia normal). Pode não apresentar os clássicos distúrbios ácido-básicos e é mais provável que o diagnóstico seja retardado.

Inicialmente, os principais diagnósticos atribuídos a esses pacientes são de pneumonia, congestão pulmonar, encefalopatia, intoxicação ou abstinência por álcool.

O tratamento dos casos de intoxicação por salicilatos envolve descontaminação (realização do carvão ativado, conforme timing da ingestão), hidratação, alcalinização sérica e da urina, com indicação de bicarbonato de sódio visando pH sérico entre 7,50 e 7,55. O objetivo com a alcalinização sérica é impedir que as partículas do salicilato cheguem ao tecido cerebral. Considere hemodiálise para pacientes com piora do pH e do estado mental, a despeito de medidas clínicas otimizadas. Na dúvida, opte pela diálise.